Hoje, temos um texto diferente em nosso blog, o relato inspirador da mãe de uma criança autista, que nos enviou sua história para ajudar a outras famílias que passem pelas mesmas situações. Nessa história, vemos como ainda é difícil o processo diagnóstico para autismo, devido à falta de informação dos profissionais e da população em geral, e como se deu a evolução de Samuel, filho de Maristela. Acompanhe:
“Quando ele era bebê me parecia ‘normal’, porém lembro que pequenos detalhes me chamavam atenção, como o fato dele não gostar de colo, preferia ficar no carrinho ou no berço, se irritava com facilidade, sempre que a panela começava a exalar o cheiro, ele ficava meio que procurando algo e, do nada, começava a chorar.
Com 1 ano e meio, não pronunciava uma palavra sequer, levei ao pediatra do plano de saúde e, sem mencionar nenhum transtorno ou algo do tipo, ele me encaminhou para fonoaudióloga e psicóloga e, posteriormente, terapeuta ocupacional. Ele fez tratamento até os 2 anos e pouco, mas eu não vi evolução, ao contrário, tudo só piorava, já não era apenas ausência da fala, ele tinha crises de choro intenso, chegou a passar 1 hora chorando, era angustiante pois ele não falava, então eu não sabia o que estava acontecendo, ele se auto agredia muito e gritava incessantemente.
Levei novamente à uma nova pediatra, também pelo plano de saúde, essa foi mais dura e disse que o problema era eu que não estava sabendo criar, umas boas palmadas e colocar na escola resolveria, me mudei para perto da família e, então, decidi matricular ele na escola, foram dias angustiantes, pois não demorava muito pra escola ligar e me pedir para ir buscar, pois ele não parava de chorar e se jogar contra as cadeiras e parede.
Quando ele começou a se adaptar na escola, eu decidi voltar a trabalhar e deixar ele com a tia, porém, após 4 meses de trabalho, a tia não aguentava mais ficar com ele.
Eu o levei ao neuro, também pelo plano de saúde, o mesmo receitou Risperidona, supondo ser hiperatividade. Mesmo sendo medicado, ele ia de mal a pior, agora havia surgido a seletividade alimentar, ele não aceitava nada além de água e cuscuz , a família já afirmava que ele não era ‘normal’, no fundo eu tinha certeza disso, mas não queria aceitar, eu queria que tudo aquilo fosse uma fase, mas não demorou muito e a coordenadora pedagógica da escola me chamou e disse que o meu filho tinha alguma deficiência e que não desenvolvia como as demais crianças, eu saí sem chão. Eu não sabia o que pensar, não sabia o que me esperava, saí do trabalho e resolvi ajudar ele, tentar saber o que, de fato, estava acontecendo e arrumar logo um remédio pra curar o meu filho.
Coloquei em minha cabeça que encontraria um médico com a cura para aquela deficiência desconhecida. Busquei no SUS um neuropediatra e um psiquiatra, o primeiro diagnóstico foi retardo mental moderado. Chorei muito, mas continuei em busca de mais respostas, ele foi encaminhado para terapia ocupacional, fonoaudióloga e psicóloga, foi uma batalha atrás de clínica de reabilitação através do SUS, ele já havia completado 3 anos e não falava nada, isso me desesperava ainda mais.
Eu bati os quatro cantos da cidade em um vai e vem incessante atrás de médicos e mais médicos, exames e mais exames. Uma grande amiga, mãe de uma criança com mielomeningocele, me falou de uma clínica do SUS, que estava abrindo vagas, eu não pensei duas vezes e logo fui atrás, outro vai e vem, porém dessa vez deu certo.
Enfim meu filho teria tratamento! Ao passar pela triagem, me informaram que não era retardo mental e sim autismo em grau moderado para severo. Eu não conhecia o autismo, nunca havia conhecido alguém com autismo, mas eu já estava tão cansada, que só queria que meu filho se tratasse para ser curado logo.
Eu tinha medo de pesquisar sobre o assunto, resolvi marcar um neuropediatra particular para conhecer o autismo. Chegando lá, ele confirmou que era autismo, mas era um profissional totalmente despreparado, que, em algumas palavras, me arrebentou completamente, afirmou que meu filho nunca falaria ou expressaria qualquer afeto, nunca teria amigos, não iria pra faculdade nem se casar, seria dependente de mim pelo resto de sua vida. Eu perguntei se havia cura e ele disse que não, meu filho seria autista para sempre e que não importava o quanto eu fizesse, ele seria sempre assim. Eu agarrei meu filho e saí de lá desesperada, eu queria morrer junto com meu filho, eu não queria que ele ficasse condenado com ‘aquilo’ pra sempre. Passei horas até chegar em casa, ao chegar esperei meu filho dormir para chorar...
Passei uma semana chorando e as pessoas que eu tentava conversar só sabiam dizer que pelo menos não estava acamado, que eu era mãe e tinha que suportar, as pessoas não entendiam que toda mãe quer um filho ‘perfeito’.
Enfim, ele iniciou as terapias, eu comecei a ler sobre o autismo, eu passei a ter mais conhecimento. Quanto mais me informava, mais eu me acalentava, percebi que mesmo que eu tivesse com um buraco no peito, era meu filho quem estava ‘condenado’, ele estava com a pior parte, então resolvi lutar mais ainda por ele e surpreender a todos. Dediquei 24 horas do meu dia ao meu filho, tudo virava terapia, as terapeutas me orientavam e eu repetia as terapias em casa.
Aos 3 anos e 5 meses Samuel falou ‘mamãe’! Eu comemorei como o dia de seu nascimento, era a voz mais linda que meus ouvidos um dia ouviram, isso foi como combustível, eu vi que estava no caminho certo! Já não focava nas suas crises diárias, eu queria me segurar em cada acontecimento positivo que surgia, passei a frequentar shopping, praça e todos os lugares que sentia vontade de levar ele, percebi que, se insistisse, aos poucos ele ia aceitando. Ele começou a se desenvolver, as terapeutas intensificaram ainda mais as intervenções, e tudo foi acontecendo.
Aos 4 anos, eu já passava a presenciar milagres diários, meu filho havia renascido das cinzas. Hoje, aos 5 anos e 7 meses, ele fala bastante, é a criança mais educada e gentil que conheço (sem exagero), as crises diminuíram 80%, consegue controlar alguns impulsos, ama abraçar e beijar, ama brincar com crianças, se avisar com antecedência, ele aceita o barulho, já dormiu até na casa dos avós. Quando completou 5 anos, ganhou uma irmãzinha, ele é muito apaixonado por ela, não se assusta com o chorinho, me ajuda até trocar fraldas, todos os dias quando ela acorda, é o primeiro a correr para o berço e dizer ‘bom dia, irmã, eu te amo!’.
No início desse ano, Samuel começou em uma escola nova e com uma melhor estrutura de ensino, a adaptação estava fluindo bem e estávamos animados com os avanços dele, porém, de repente surgiu essa pandemia e veio como um balde de água fria. No início, fiquei bem assustada, pois, como isolar em casa alguém que passei anos para instruir a sair de casa?! Eu lutei para tirar ele do isolamento e, de repente, teria que ensinar o contrário. A escola dá todo apoio pedagógico, porém não nos adaptamos às aulas online, nem o Samuel e nem eu. Minha rotina já era bem preenchida, então eu não consegui acompanhar todas as videoaulas, pois algumas atividades eu passo 2 ou 3 dias repetindo para ele aprender, como vou dar conta de várias atividades todos os dias?!
Resolvi dar continuidade ao que já fazia em casa, continuei ensinando ele do meu jeito, está sendo leve para mim e para ele, pois não tem cobranças, ele está avançando em casa. Antes, não tinha interesse por lápis e papel, agora já pede para pintar, escrever letras para ele cobrir, mas tem dias que ele quer sair, quer ir pra escola, para as terapias, para o shopping que ele ia toda semana (ele ama de paixão, conhece todas as lojas).
A rotina dele fora de casa teve que ser adaptada para dentro de casa, seguimos com dias leves e dias mais difíceis. Graças a Deus que estamos tendo estrutura para conseguir trazer todos os dias pra ele uma rotina criativa e leve, ele é um menino muito inteligente e tem uma capacidade de compreensão incrível. Seleciono algumas notícias para ele saber o porquê de não poder sair e ele está aceitando. Está fazendo muito vídeo-chamada para os tios, avós e primos.
Em casa, conta com um pai que ama brincar e fazer desenho de todos personagens e lugares que ele gosta, tem uma irmã que, apesar de muito nova, tem uma missão linda de ser companhia para ele e ensinar a ele sobre dividir e muito mais coisas que estão descobrindo juntos, e tem também uma mãe que não mede esforços e sempre estará em busca do melhor para ele.
Eu costumo dizer que não parei minha vida por ele, ele me ensinou a viver de uma forma mais humana e cheia de amor. Estamos pedindo a Deus que tudo isso passe logo para retornarmos nossa vida, cheios de aprendizados e com muita energia”.
Relato de Maristela
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Para entender mais sobre o assunto, leia o nosso post “Conhecendo o autismo” ou baixe a cartilha gratuita que preparamos.
Até o próximo post! 😉